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Anafilaxia na Anestesia

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Anafilaxia na Anestesia

Anaphylaxis in Anesthesia

 Márcio da Silva Alves1

César Augusto Nogueira1

Bruno Gomes Sant’Ana1

Gisèle Passos da Costa Gribel2

1Alunos da Pós-graduação Lato sensu em Anestesiologia do Hospital Central do Exército

2Mestre em Ciências Médicas. Coordenadora da Pós-graduação Lato sensu em Anestesiologia do Hospital Central do Exército. Chefe do Centro de Ensino e Treinamento em Anestesiologia do Hospital Central do Exército

Bruno Gomes Sant’Ana

Serviço de Anestesiologia do Hospital Central do Exército

Rua Francisco Manoel, 126 - Benfica, Rio de Janeiro - RJ, 20911-270

Tel: (21) 99575-9098

e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

Fontes de financiamento: não há

 Número total de páginas do artigo: 10

Número de quadros: 2

Resumo

Introdução: A anafilaxia é definida como uma reação grave de hipersensibilidade sistêmica ou generalizada, de inicio súbito, com ameaça à vida. Neste trabalho, relata-se um caso de anafilaxia, no período anestésico de indução.

Objetivo: Este relato de caso sobre o quadro de anafilaxia visa discutir a importância da detecção precoce dos sinais de anafilaxia e conhecer o correto manejo do quadro.

Descrição do Caso: Homem de 67 anos, risco ciúrgico “American Society of Anesthesiologists” (ASA) II, diabético. O paciente apresentou durante a indução sinais de hipersensibilidade associados aos seguintes sintomas: eritema generalizado, edema em lábios e língua, prurido pelo abdômen, pressão de 50 X 30 mmHg, frequência cardíaca de 134 bpm. Os medicamentos e a cirurgia foram suspensos, o paciente foi tratado e encaminhado à Unidade de Tratamento Intensivo. É primordial o diagnóstico rápido e tratamento assim como a investigação dos possíveis agentes envolvidos para a profilaxia.

Conclusão: A anafilaxia perioperatória apresenta-se como manifestação súbita e variada podendo mimetizar outros diagnósticos. Os anestesiologistas devem ter cautela durante a administração preferencialmente isolada de fármacos. A orientação e pesquisa dos possíveis agentes após o evento podem garantir a segurança em procedimentos anestésicos futuros.

Palavras-chave: Anafilaxia; Anestesia; Efeito adverso.

Abstract Introduction: Anaphylaxis is defined as a severe systemic or generalized hypersensitivity reaction, sudden on set, life threatening. In this work, we report a case of anaphylaxis in the anesthetic induction period. 

Objective: This case report aims to detect early signs of anaphylaxis and to know the correct management of the condition.

Case report: 67-years-old, male, surgical risk “American Society of Anesthesiologists” (ASA) II, diabetic. The patiente presented signs of hypersensitivity with the following syntoms: generalized erythema, lip and tongue edema, abdominal pruritus, pressure of 50 X 30 mmHg, heart rate of 134 bpm. The medications and surgery were suspended. The patient was treated and forwarded  to the Intensive Care Unit. Rapid diagnosis and treatment in prophylaxis were crucial as well as investigation of possible agents involved.

Conclusion: Perioperative anaphylaxis presents as a sudden and varied manifestation and may mimic other diagnoses. Anesthesiologists should be cautious during preferentially isolated drug administration. The orientation and research of the possible agents after the event can guarantee the safety in future anesthetic procedures.


Keywords: Anaphylaxis; Anesthesia; Adverse effects.

Introdução:

A anafilaxia é uma reação severa de hipersensibilidade sistêmica, com mecanismos de retro alimentação que iniciam, amplificam e perpetuam o mecanismo.

As manifestações clínicas de anafilaxia perioperatória são muito variadas, devendo-se, então considerar diagnósticos diferenciais, tais como, asma, crise de ansiedade, sepse, infarto do miocárdio, embolia pulmonar, reação vasovagal, entre outros.

Dados da literatura estimam que a incidência de anafilaxia durante anestesias é de 1/4000 a 1/25000 (1) e que a mortalidade varia entre 3 a 10%(2).

As reações de anafilaxia, em anestesia, acontecem na maioria dos casos poucos segundos (ou minutos) após a administração do antígeno. Sendo a indução o período de maior risco (de 50 a 87% dos casos) (3). 

Dentre os sinais clínicos mais frequentes estão os sintomas cardíacos, cutâneos e o broncoespasmo.  Sinais como edema, rubor e urticária são frequentes, no entanto, podem ficar ocultos sob os campos cirúrgicos (1).

Descrição do caso:

Paciente J.S.M. de 67 anos, do sexo masculino, estado físico ASA II, D. Mellitus II, em uso de metformina 500mg 2 vezes ao dia, ex-tabagista e consumo de álcool social, com exames pré-operatórios sem alterações,  internado no Hospital Central do Exército (HCE), Rio de Janeiro, para submeter-se à nefrectomia unilateral direita.

Há cinco anos, o paciente realizou cirurgia de colocação de cateter duplo J, e o procedimento ocorreu sem alterações, a ficha anestésica não apresentava nenhuma intercorrência (Quadro 1). Após monitorização e venóclise, o protocolo de antibioticoprofilaxia foi iniciado com infusão de 2g de cefazolina, em 100ml de soro fisiológico 0,9%, administração de 3mg de midazolam e 50 microgramas de fentanil para realização de anestesia peridural.   Durante a realização do bloqueio, o paciente queixou-se de prurido no abdômen. Após término da anestesia neuroaxial, foi colocado em posição neutra e iniciou-se a pré-oxigenação e indução com fentanil 100 µg, lidocaína 2% 60 mg, propofol 120 mg e rocurônio 40 mg. Durante a indução começou a queixar-se de mal-estar, evoluindo com eritema generalizado, sudorese, náusea, hipotensão severa, dispneia e edema de lábios e língua. Iniciou quadro de hipotensão, a pressão diminuiu para 50 X 20 mmHg, aumento da frequência cardíaca para 134 bpm e má perfusão periférica, com retorno venoso maior que 2 segundos. Paciente Mallampati III, realizada intubação orotraqueal com tubo 8,0 com cuff, com auxilio de vídeo laringoscópio. Laringoscopia direta mostrou ser Cormack Lehane IV. O antibiótico foi retirado imediatamente e substituído por solução de ringer com lactato, sendo realizada ventilação com 02 a 100% sob máscara e administrados ranitidina (100mg), hidrocortisona (500mg) e adrenalina (50 microgramas), todas endovenosas. Foi utilizado, também, metaraminol para manutenção da pressão arterial. A cirurgia foi suspensa, e o paciente encaminhado à Unidade de Tratamento Intensivo, mantendo-se a intubação orotraqueal, monitorização e sem o uso de drogas vasoativas.

No dia seguinte, pela manhã, encontrava-se com remissão total dos sintomas apresentados, sendo, portanto, encaminhado para o quarto. Realizou ambulatorialmente testes de reação alérgica que foram positivas a rocurônio, pancurônio, dipirona e beta lactâmico (Quadro 2). Foi novamente agendado o procedimento, sob anestesia balanceada utilizando fentanil, lidocaína, propofol, cisatracúrio e sevoflurano, com antibioticoprofilaxia por ciprofloxacino. Ato cirúrgico transcorreu sem intercorrências

Exames complementares:

        Quadro 1: Exames pré-cirúrgicos

Exames Pré-cirúrigicos

Hemoglobina

 

 

13,9 g/dL

 

Hematócrito

 

 

40,2%

 

Plaquetas

 

 

313,000/uL

INR

 

 

1,0

 

Fonte: Prontuário do paciente, 2017.

Quadro 2: Testes Alérgicos

 

Testes Alergênicos

Fentanil

 

IgE negativo

Rocuronio

 

IgE positivo

Midazolan

 

IgE negativo

Propofol

 

IgE negativo

Lidocaína

 

IgE negativo

Penicilina G

 

IgE positivo

Látex

 

IgE negativo

Fonte: Clínica de Alergia da Policlínica Geral do Rio de Janeiro, 2017.

Discussão:
Os estudos de casos de anafilaxia são ainda motivo de preocupação entre os anestesiologistas, imunologistas e alergologistas, que procuram esgotar os casos no que concerne a sua causa e tratamento. Vários estudos demonstraram que os fármacos que mais causam reação anafilática são similares, dentre os principais, bloqueadores neuromusculares, que respondem de 50-70% dos casos,  borracha natural de látex (em média, 15% dos casos), antibióticos e analgésicos podem induzir reações de anafilaxia que ameaçam a vida (1), que possuem altos potenciais alergênicos, porém qualquer fármaco administrado no perioperatório pode levar ao quadro. Por esse motivo, o médico anestesiologista está mais suscetível a vivenciar reações alérgicas do que especialistas, devendo administrar os fármacos sempre individualmente. Mesmo sendo raras, as reações podem rapidamente se tornar graves e, por isso, envolvem o pronto reconhecimento e tratamento(3).

As manifestações clínicas da anafilaxia são muito variadas, além de existirem inúmeros diagnósticos diferenciais, como exemplo temos quadro de asma, angioedema hereditário, hipertermia maligna, síndrome neuroléptica maligna, arritmia, embolia pulmonar e infarto do miocárdio(2). Na anestesia os sinais e sintomas da anafilaxia ocorrem rapidamente após a administração do fármaco, ocorrendo segundos a minutos depois. Com isso, a maior parte dos quadros anafiláticos ocorre durante a indução anestésica (50-87%), podendo ocorrer tardiamente, em qualquer momento do ato cirúrgico (2). Os sinais clínicos mais freqüentes são os cardiovasculares (78,6%), cutâneos (66,4%) e broncoespasmo (39,9%). Em 10-14% dos casos, ocorre comprometimento de somente um sistema, tornando o diagnostico ainda mais difícil, como por exemplo, somente broncoespasmo ou somente colapso cardiovascular, sem outros sintomas. Existem alguns fatores que aumentam a morbidade do quadro anafilático, como uso de beta bloqueadores, pois os receptores beta tornam-se refratários a estímulos simpáticos de fármacos adrenérgicos; anestesia espinhal devido à vasodilatação causada pelo bloqueio simpático; cardiopatias como valvulopatias, arritmias e cardiopatia isquêmica por uma incidência aumentada de arritmias e vasoconstrição coronariana causada por liberação de histamina e, por fim, asma grave com broncoconstrição com duração prolongada e de intensidade aumentada, refratária ao tratamento(2).

Os sintomas dermatológicos como rubor, edema e urticária possuem uma alta freqüência, porém muitas das vezes são ocultados pelos campos cirúrgicos, que atrapalham a visualização direta do anestesista. O quadro clássico de taquicardia e hipotensão é o mais comum, porém pode surgir um caso mais complicado com bradicardia e hipovolemia, sendo a frequência cardíaca baixa devido à hipovolemia, não sendo tratada com atropina e sim com volume e adrenalina.

O tratamento é bem descrito pelo Guia prático para o manejo da anafilaxia(4), onde se inicia pela remoção de todos os agentes com potencial de causar anafilaxia e manutenção anestésica, se necessário, com agentes inalatórios, administração de oxigênio a 100%, elevação dos membros inferiores. Caso surja quadro de hipotensão, solicitar ajuda. Em casos mais graves, pode ser necessária a administração de epinefrina EV na dose inicial de 50 microgramas (sempre monitorando o eletrocardiograma e a pressão arterial) e de solução salina 0,9% ou Ringer lactato. Logo após, devem ser administrados glicocorticoides e antihistamínicos -bloqueadores H1 e H2, estes melhoram o prurido, a urticária, o angioedema e o rubor, não atuando nos sintomas graves como broncoespasmos e hipotensão. Além de transferência para a UTI.

A droga de escolha para o tratamento da anafilaxia é a adrenalina, devendo ser feita imediatamente em caso de suspeita daquela. É um agente simpaticomimético com ação direta sobre a vasoconstrição, pelo efeito alfa, melhorando a vasodilatação, com efeito beta gerando inotropismo e cronotropismo positivos, provoca broncodilatação, diminui o edema de mucosa, diminui liberação dos basófilos e mastócitos. Em relação à liberação celular mastocitária de histamina e outros mediadores inflamatórios, provoca uma regulação negativa, diferentemente de drogas como antihistamínicos e broncodilatadores que não atuam por essa via, somente bloqueando os receptores, tratando assim somente os sintomas. Além disso, a adrenalina melhora o fluxo sanguíneo coronário.(2)

  • Após estabilização do quadro, deve-se realizar consulta com um alergologista ou imunologista, no período compreendido entre quatro a seis semanas da reação anafilática, para que se realizem os testes cutâneos, para descobrir os agentes que causaram a reação anafilática.

Conclusão:
O paciente em estudo apresentou uma reação anafilática provavelmente desencadeada pelo rocurônio ou cefazolina. A morbidade e a mortalidade devido à anafilaxia perioperatória continuam gerando números preocupantes, por isso, a importância de saber diagnosticá-la e tratá-la de forma rápida e eficaz.
A precocidade do diagnóstico com a interrupção da medicação endovenosa e a rápida instituição da terapia adequada foi determinante para desfecho positivo para este caso, reafirmando a importância deste trabalho no tocante à educação médica para um quadro potencialmente fatal caso não haja agilidade no diagnóstico e na terapia.
Todos os pacientes que apresentarem quadro anafilático devem ser identificados e monitorados quanto à possibilidade de recorrência dos sintomas. Todo quadro clínico deve ser relatado na ficha anestésica, assim como as medicações utilizadas, a via de administração, o tratamento e a evolução.(2)

Bibliografia:
(1) Johansson SG, Hourihane  JO, Bousquet  J. Anaphylaxis during anesthesia: diagnostic approach. Allergy. 2007; 62:471-87.
(2)Villén, FE, Navas SS. Anafilaxia en anestesia. Revista Española de Anestesiología y Reanimación. 2013; 60: 55-64.
(3)Mertes PM e Laxenaire MC. Anaphylactic and anaphylactoid reactions occurrings during anesthesia in France. Seventh epidemiologic survey (January 2001 – December 2002). Ann FrAnesthreanim. 2004; 23: 1133-43.
(4) Bernd LAG, Sá AB, Watanabe AS, Castro APM, Solé D, Castro FM, Geller M, Campos RA.Guia prático para o manejo da anafilaxia – 2012.Rev. bras. alerg. imunopatol.2012; 35: 53-70

 

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