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Terceira Gestação em Útero Bicorno com Feto Pré-termo Vivo

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Terceira gestação em útero bicorno com feto pré-termo vivo

 

Third pregnancy in bicornuate uterus with a preterm live newborn

 

Alfredo de Almeida Cunha 1, Mariana Sales Assad 2, Daniela Moreira Alves3,  Isabela de Oliveira Cunha2 .

  • Docente do Programa de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Central do Exército, Rio de Janeiro, Brasil.
  • Médicas Residentes do Programa de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Central do Exército, Rio de Janeiro, Brasil.
  • Médica Efetiva do Programa de Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Central do Exército, Rio de Janeiro, Brasil.

Autor correspondente

Alfredo de Almeida Cunha

Av. Francisco Manuel, 126 – Benfica / Rio de Janeiro-RJ – CEP.:20911-270 Tels.: (21) 3891-7000

e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

O trabalho não foi financiado.

Caso atendido na Maternidade do Hospital Central  do Exército, Rio de Janeiro, Brasil.

Número de páginas: 8, número de palavras 2.132

Número de figuras: 3

Resumo

Introdução. Trata-se do relato de um caso de gravidez associada à malformação uterina. A associação das duas condições acarreta prejuízo para o desfecho gestacional, ainda mais que estavam associados antecedentes de duas cesarianas e uma intercorrência, a ruptura prematura pré-termo das membranas ovulares. Não foi identificado nenhum caso semelhante na literatura, tornando o caso relevante para o conhecimento da comunidade médica.

Objetivo. Divulgar o caso para possível chamada de casos semelhantes.

Relato do caso. Paciente com 41 anos, grávida pela terceira vez, com antecedentes de dois partos cesáreos e sem antecedentes de aborto, com idade gestacional de 34 semanas. Foi indicada cesariana por ser tratar de uma gestação em útero bicorno, com antecedente de duas cesarianas, ruptura prematura das membranas ovulares, apresentação pélvica e desejo da paciente de submeter-se à laqueadura tubária. A cirurgia foi realizada sem intercorrências, com extração de um feto do sexo masculino, pesando 2.440 g e em boas condições de vitalidade. A paciente teve alta após três dias em boas condições de saúde, bem como seu recém-nascido.

Conclusão. O relato do caso é relevante porque demonstrou o limite possível de gestações em útero bicorno com antecedente de duas cesarianas. Entretanto, implica em cuidadoso acompanhamento pré-natal com vigilância materna e fetal quanto ao risco de ruptura uterina e sofrimento fetal.

 Palavras-chave: Gravidez; Anomalia Uterina; Ruptura Uterina; Sofrimento Fetal; Cesariana.

Abstract

Introduction. This is a case report of pregnancy associated with uterine malformation. The association of two conditions causes prejudice to the gestational outcome, even more that were associated with a history of two cesarean sections and a complication, the preterm premature rupture of the membranes ovular. Not been identified any similar case in the literature, making the case relevant to the knowledge of the medical community. 

Aim. Disclose the case for possible call of similar cases.

Case report.  41-year-old patient, pregnant for the third time, with a record of two cesarean births and no history of miscarriage, gestational age of 34 weeks. Cesarean section was indicated by be a bicornuate uterus, pregnancy with history of two cesarean sections, premature rupture of the membranes, ovular breech and wish the patient to undergo tubal sterilization. The surgery was performed without complications, with extraction of a male fetus, weighing 2.440 g and in good condition. The patient was discharged after three days in good health, as well as your newborn.

Conclusion.  The case report is relevant because it showed the possible limit of pregnancies in bicornuate uterus with history of two cesarean sections, however, implies careful prenatal monitoring with maternal and fetal surveillance as the risk of uterine rupture and fetal distress.

 Keywords: Pregnancy; Uterine Anomaly; Uterine Rupture; Fetal Distress; Cesarean section.

Introdução

As malformações do útero são os defeitos mais comuns do aparelho reprodutor feminino. Na população geral ocorrem com a incidência de 4%(1).  Zyla et al. Realizaram um estudo na Polônia, entre 1994 e 2012, com 94 pacientes, em que encontraram as seguintes incidências: útero bicorno (37%), útero com septo parcial (13%), útero arquato (15%), útero duplo (11%), útero com septo completo (11%), útero unicorno (4,4%) (2). Figura 1.

Fig. 1. Anomalias uterinas müllerianas

 

Fonte: Próprio Autor

Para estimar se a gravidade da anomalia uterina é associada com o risco de resultados adversos da gravidez, Fox et. al. realizaram estudo de coorte retrospectivo de pacientes atendidas por um grupo de medicina materno-fetal de 2005 a 2012, com 158 pacientes com uma gravidez única e anormalidade uterina e igual número de gravidezes de gravidez única e não expostos selecionados aleatoriamente pelo mesmo grupo. Pacientes com anomalias uterinas foram subdivididas em aquelas com defeitos de fusão importantes (útero unicorno, bicorno e didelfo) e defeitos de fusão menores (arqueado, septados e em forma de t). Observaram que a incidência de resultados adversos da gravidez aumentou em pacientes não expostos, pacientes com pequenos defeitos de fusão  e com a maior fusão de defeitos. Estes incluíram prematuridade < 37 semanas, parto prematuro < 35 semanas, peso ao nascer < percentil 10, pré-eclâmpsia, apresentações anômalas e ocorrência de cesariana. Concluíram que a incidência de resultados adversos da gravidez e cesariana é aumentada em pacientes com pequenos defeitos e é ainda maior em pacientes com maiores defeitos (3).

 Relato do caso

Paciente com 41 anos, grávida pela terceira vez, com antecedentes de dois partos cesáreos e sem antecedentes de aborto, com idade gestacional de 34 semanas, deu entrada na emergência no dia 08/04/2017 às 2 h com queixa de perda de liquido havia uma hora. O pré-natal evoluiu sem intercorrências, em uso de polivitamínico. A primeira ultrassonografia foi realizada dia 13/10/2016 com idade gestacional de 8 semanas e 5 dias cujo laudo foi de útero bicorno, com implantação fetal em corno direito. A apresentação fetal era pélvica e a paciente fez planejamento familiar a fim de realizar laqueadura tubária.

Ao exame paciente normotensa (PA 110x70 mmHg), fundo uterino medindo 34 cm, batimentos cardiofetais e movimentos fetais presentes, sem atividade uterina, tônus uterino normal e ao toque apresentou colo grosso, posterior, fechado com saída de moderada quantidade de líquido claro.

A paciente foi internada na maternidade esubmetida à cardiotocografia (figura 2) que indicou boa vitalidade fetal. Foram solicitadas as sorologias (HIV, HBV, HCV, VDRL, toxoplasmose, rubéola) que ainda não haviam sido realizadas no terceiro trimestre pela idade gestacional (34 semanas). A paciente foi mantida em dieta zero e indicada cesariana por ser tratar de uma gestação em útero bicorno, com antecedente de duas cesarianas, ruptura prematura das membranas ovulares, apresentação pélvica e desejo da paciente de submeter-se à laqueadura tubária.

A cirurgia foi realizada no dia 08/04/2017 às 08h48min h e término às 09h40min h, com duração de 52 minutos, sob raquianestesia. A cirurgia foi realizada mediante incisão da pele e tecidos subjacentes a Pfannestiel, histerotomia segmentar transversa, extração de feto único em apresentação pélvica do corno uterino direitoàs 08:56 h, vivo, do sexo masculino, pesando 2.440g, com índice de Apgar 6/8 (vitalidade fetal), Capurro com 34 semanas e 6 dias, extração manual da placenta, histerorrafia,  laqueadura tubária bilateral a Pomeroy e fechamento da parede abdominal por planos (Figura 3). A paciente teve alta após três dias em boas condições de saúde, bem como seu recém-nascido.

Discussão

Malformações uterinas são relativamente frequentes, uma vez que elas afetam 4% das mulheres. Felizmente, muitos casos são assintomáticos. No entanto, é importante mencionar este diagnóstico em todos os pacientes com história de abortos de repetição, aborto tardio (4), ou parto prematuro com prevalência de 36% (5), adolescente que consulta para amenorreia primária(6), dismenorreia ou dispareunia e pacientes seguidos na medicina reprodutiva(7)

Fig. 3. Imagem de útero bicorno no ato cirúrgico, após a extração do concepto.

A classificação das anomalias ainda é objeto de discussão conforme estudo de Heinonnen, que avaliou a distribuição das anomalias do ducto mülleriano em duas classificações verificadas de malformações do trato genital feminino e a presença de defeitos renais associadas. Foram estudadas 621 mulheres com anomalias do trato genital feminino confirmado retrospectivamente que foram agrupadas sob a Classificação Europeia (ESHRE/ESGE) e a Classificação Americana (AFS). O diagnóstico de malformação uterina baseou-se no diagnóstico pela histerosalpingografia, ultrassonografia bidimensional, endoscopia, laparotomia, cesariana e ressonância magnética em 97,3% dos casos. A condição do rim foi determinada em 378 pacientes, incluindo cinco com útero e vagina normais. A classificação Européia cobriu todas as 621 mulheres estudadas, assim distribuídas: anomalias uterinas sem anomalia cervical ou vaginal foram encontradas em 302 (48,6%) pacientes, anomalia uterina foi associada com anomalia vaginal em 45,2%, e anomalia vaginal isolada foi encontrada em 26 casos (4,2%). O útero septado foi a mais comum (49,1%) de todas as anomalias do trato genital, seguido pelo útero bicorno (18,2%). A classificação americana incluiu90 (95%) das 621 mulheres com anomalias do trato genital, mas o sistema americano não considerou anomalias vaginais em 170 (34,7%) e anomalias do colo do útero em 174 (35,5%) de 490 casos com malformações uterinas. Anormalidades renais foram encontradas em 71 (18,8%) 378 mulheres, sendo a agenesia renal unilateral o defeito mais comum (12,2%), também encontrado em 4 mulheres sem anomalia do ducto mülleriano. A Classificação Européia incluiu todas as anormalidades uterinas e vaginais e a distribuição das anomalias uterinas principais foram iguais em ambas às classificações. O sistema americano não classificou anomalias cervicais e vaginais associadas a anomalias uterinas. Alertaram os autores que a avaliação do sistema renal é recomendada para todos os pacientes com trato genital anormal (8).

O caso relatado é inédito; não identificamos caso semelhante na literatura, isto é, anomalia uterina mulleriana (útero bicorno), não raro (50/90 casos de anomalias uterinas) (2), porém com a terceira gravidez da paciente nestas circunstâncias, com antecedente de duas cesarianas e dois fetos vivos, que evoluiu até 34 semanas, com feto vivo, com crescimento compatível com a idade gestacional.

A paciente correu risco de ruptura uterina desde a primeira gravidez, conforme relato de Itchimouh et al. (7), Lovelace(9) e Masia et al. (10). Outra possível complicação teria sido o encarceramento uterino (11). Após a primeira gravidez deveria ter sido submetida à correção do defeito uterino conformeSugiura-Ogasawara et al.(12) que observaram redução da taxa de parto pré-termo e recém-nascido de baixo peso, entretanto a conduta foi recusada pela paciente.

No caso presente o resultado foi um feto vivo com boa vitalidade. A paciente teve o diagnóstico confirmado por ultrassonografia durante a gestação atual. Como não houvesse intercorrência materna ou fetal, tentou-se acompanhar a gestação até o termo considerando-se os antecedentes da paciente. Este não foi atingido pela ruptura prematura das membranas ovulares. A indicação de cesariana foi absoluta, inicialmente pela gravidez em útero bicorno, acrescida da ruptura das membranas ovulares em paciente portadora de colo uterino único e antecedente de duas cesarianas. A paciente esteve exposta a risco de complicações desde a primeira gravidez e durante as gestações subsequentes.Tal não ocorreu pela capacidade do corno uterino, ampliada a cada nova gestação (2). Para que a situação não se repetisse, foi, agora com seu consentimento, submetida à laqueadura tubária.

Concluímos que o relato do caso é relevante porque demonstrou o limite possível de gestações em útero bicorno com antecedente de duas cesarianas. Entretanto, implica em cuidadoso acompanhamento pré-natal com vigilância materna e fetal quanto ao risco de ruptura uterinaItchimouh et al (7), Lovelace (9) e Masia et al. (10) e sofrimento fetal (2).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Raga F BC, Renohi J, Bonilla-Musoles F,Simón C, Pellicer A. Reproductive impact of congenital mullerian anomalies. Human Reprod. 1997;12:2277-81.
  2. Zyla MM, Wilczynski J, Nowakowska-Glab A, Maniecka-Bryla I, Nowakowska D. Pregnancy and Delivery in Women with Uterine Malformations. Adv Clin Exp Med. 2015;24(5):873-9.
  3. Fox NS, Roman AS, Stern EM, Gerber RS, Saltzman DH, Rebarber A. Type of congenital uterine anomaly and adverse pregnancy outcomes. J Matern Fetal Neonatal Med. 2014;27(9):949-53.
  4. Kutteh WH. Novel strategies for the management of recurrent pregnancy loss. Semin Reprod Med. 2015;33(3):161-8.
  5. Medrano-Uribe FA, Enriquez-Perez MM, Reyes-Munoz E. [Prevalence of uterine anatomical anomalies in mexican women with recurrent pregnancy loss (RPL)]. Gac Med Mex. 2016;152(2):163-6
  6. Azurah AG, Zainuddin AA, Jayasinghe Y. Diagnostic pitfalls in the evaluation and management of amenorrhea in adolescents. J Reprod Med. 2013;58(7-8):324-36.
  7. Itchimouh S, Khabtou K, Mahdaoui S, Boufettal H, Samouh N. [Uterine rupture in a patient with bicornuate uterus at 12 weeks of amenorrhea: about a case]. Pan Afr Med J. 2016;24:153.
  8. PK H. Distribution of female genital tract anomalies in two classifications. European Journal of Obstetrics & Gynecology and Reproductive Biology. 2016;206:141-6.
  9. Lovelace D. Congenital Uterine Anomalies and Uterine Rupture. J Midwifery Womens Health. 2016;61(4):501-6.
  10. Masia F, Zoric L, Ripart-Neveu S, Mares P, Ripart J. Spontaneous uterine rupture at 14 weeks gestation during a pregnancy consecutive to an oocyte donation in a woman with Turner's syndrome. Anaesth Crit Care Pain Med. 2015;34(2):101-3.
  11. Sadath H, Carpenter R, Adam K. Uterine incarceration in a primigravid retroverted bicornuate uterus. BMJ Case Rep. 2016;2016.
  12. Sugiura-Ogasawara M, Lin BL, Aoki K, Maruyama T, Nakatsuka M, Ozawa N, et al. Does surgery improve live birth rates in patients with recurrent miscarriage caused by uterine anomalies? J Obstet Gynaecol. 2015;35(2):155-8.
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