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Hospital Militar da Guarnição da Corte (1844-1890)

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Os doentes voltaram ao Morro do Castelo, oriundos do antigo Hospital do Campo da Aclamação, a 29 de dezembro de 1844, e foram ocupar as salas do edifício. Segundo o Dr. Domingos Marinho de Azevedo Americano, Segundo-Médico daquele estabelecimento, em seu interessante trabalho, intitulado "Relatório sobre o estado atual do Hospital Militar, sua precisão e população enferma durante o ano de 1845", o Hospital começou a funcionar com:

 

"... quatro salas ou Enfermarias, uma pequena para os Oficiais, outra para cirurgia e duas para medicina, isto é, clínica; durante o ano abriram-se mais três destinadas, duas para as enfermidades especiais e contagiosas, como sarna e bexiga, e outra para os presos. Quando o governo fundou o Hospital manifestou a intenção de dar um local apropriado para a Escola de Medicina que ocupava salas para as aulas, gabinete de química, física, biblioteca e secretaria, em detrimento de novas salas para o Hospital. A remoção da Escola conviria a ambas as partes; a Escola se vê constrangida e mal acomodada dando parte de suas lições em uma casa alugada da Santa Casa da Misericórdia e o Hospital precisando de mais Enfermarias. A princípio, a botica existia fora do Hospital e ia-se buscar os remédios na Rua de São Pedro da Cidade Nova; a distância prejudicava um pronto atendimento".

Lembrava ainda o mesmo autor a necessidade de um jardim para os convalescentes e indicava a área que serve de fundo ao Hospital da Santa Casa, podendo-se, diz, "abrir-se três ou quatro ruas transversais que partam dos fundos do Hospital e vão terminar perto da chácara do Marechal Sampaio". Face à grande despesa que o Hospital tinha com a aquisição de água, recomendava o Dr. Domingos levar a água até o Morro do Castelo trazendo, por tubulação, do Morro Santa Teresa, que é mais alto. Recomendava a necessidade de melhorar o serviço de enfermeiros elevando seus ordenados para assim captar elementos mais hábeis, e terminava realçando a importância de uma sala de autópsia e a criação de um gabinete de anatomia patológica - "a autópsia destroi a incerteza", diz - para servir de subsídio no estudo da medicina.

No ano seguinte, 1846, a 18 de abril, um relatório assinado por Francisco de Paula Vieira de Azevedo, já nos dá conta de alguns detalhes da sua administração. O quadro de funcionários - incluindo pessoal técnico e administrativo - alcançava o número de sessenta e quatro, assim distribuídos:

- Diretor (1) Praticante de Botica (1)
- Primeiro-Médico (1) Praticante de cirurgia (4)
- Primeiro - Cirurgião (1) Enfermeiro-mor (1)
- Segundo - Médico (1) Enfermeiros (12)
- Segundo-Cirurgião (1) Fiel de roupa (1)
- Terceiro - Cirurgião (2) Comprador e Dispenseiro (1)
- Almoxarife (1) Cozinheiro (1)
- Escrivão (1) Ajudante de Porteiro (1)
- Amanuense (4) Ajudante de Boticário (1)
- Capelão (1) Servente militar (12)
- Boticário (1) Servente africano livre (13)
- Porteiro (1)


Especificava também o relatório, o tipo de ração a que tinha direito cada empregado, notando-se a distribuição da denominada Ração 3, provavelmente mais completa, para os que realizavam serviço de maior duração no horário hospitalar, isto é, os que estavam obrigados a plantão de vinte e quatro horas. Recebiam esta Ração os Terceiros-Cirurgiões, o Capelão, o Boticário, o Almoxarife e o Enfermeiro-mor, e compreendia os seguintes itens:

- Carne de vaca (1,5 libras) Laranjas (2)
- Carne de porco (0,5 libra) Marmelada (2 onças)
- Vinho de Lisboa (1/4 garrafa) Arroz (4 onças)
- Farinha de mandioca (0,5 dec.) Chá (2 oitavas)
- Toucinho (2 onças) Açúcar (2 oitavas)
- Pães de vinténs (4) Manteiga (2 onças
)

Em 1848, o Ministro, em seu relatório, sentenciava:

"Tratando primeiro do Hospital Militar da Corte, por ser o de maior importância, informar-vos-ei que continua a preencher totalmente os fins para que foi criado, prestando aos enfermos militares recursos e cômodos de que antes estavam privados no acanhado Hospital Regimental existente no Campo da Aclamação".

E mais adiante, assevera:

"... tornam-se necessárias novas acomodações, como sejam, mais 3 enfermarias, uma sala para grande operações cirúrgicas, uma outra para autópsia, uma casa para banhos, outra para arrecadação e um jardim para convalescentes, e mais alguns quartos para os empregados. Entendo porém que sendo cedida ao Hospital a parte do edifício ocupada pela Escola de Medicina, tudo isto se remediará facilmente".

Na verdade, com a mudança da Escola, ocorrida em 1851, todo o edifício do ex-Colégio dos Jesuítas ficou sendo ocupado pelo Hospital que, com o passar dos anos, foi sofrendo modificações, com ampliações e novas dependências, tornando-se mais prático para o atendimento. Para que se tenha idéia do movimento mensal de baixados, basta que observemos o "Mapa das moléstias tratadas no Hospital durante o ano de 1854", assinado pelo Primeiro-Médico, Dr. Joaquim Vicente Torres Homem, que em sua estatística informa a baixa de 3.310 pacientes. Disto resulta um percentual de óbitos de somente 3,73% (123), comprovando o bom atendimento clínico-cirúrgico do Hospital.

A data de 5 de setembro de 1867 marca a assinatura de um contrato entre o Ministério da Guerra e a Congregação das Filhas de São Vicente de Paula para o emprego das irmãs de caridade, que entraram em serviço no ano seguinte. O Dr. José Maria Coutto, em seu trabalho "Breves considerações sobre o Hospital Militar da Corte", nos dá um testemunho dos trabalhos que as irmãs realizavam.


Diz o Dr. Coutto:

"Graças ao inexcedível zelo, aos cuidados e desvelos das irmãs de caridade, a entrada de uma enfermaria deixou de ser repulsiva e nauseante. O enceramento e envernizamento do soalho, a mudança das roupas do leito e das que vestem os doentes, feita em curtos intervalos, a proibição de lançar ao chão todo e qualquer objeto ou impureza, tornaram as enfermarias lugar que se distingue pelo asseio e ordem".

Todo um trabalho dedicado visou a melhoria do doente. O esforço médico já era compensado, inclusive por um melhor apoio financeiro das autoridades superiores. Contudo, o velho casarão ia enfrentando o desgaste do tempo. O Dr. Lourenço Ferreira da Silva Leal, apreciando, em 1872, os hospitais da cidade, dizia a respeito das nove enfermarias do Hospital Militar:

"Das nove enfermarias nenhuma é digna desse nome, a não ser a quarta, que é alta e espaçosa. A primeira, destinada aos oficiais, é uma antiga sala dividida em acanhados aposentos por meio de biombos de madeira. Cada compartimento tem uma janela, que deita para o pátio central, e uma porta, que comunica com um estreito corredor, no qual existem três janelas, que se abrem para uma viela estreitae úmida. Pelo lado do pátio a sala é parte do dia castigada do sol, que a aquece

intoleravelmente; pelos fundos recebe o ar úmido e impuro. A sétima, úmida, escura e pouco ventilada. A oitava, estabelecida em longo e estreito corredor, que termina em uma sala, sotoposta aos grossos e espessos arcos de uma abóbada, é também baixa, pouco ventilada e escassa de luz. O arejamento do edifício é, por outro lado, excessivo. Recebendo os ventos dos três pontos cardeais assinalados, o ar cruza-se pelos longos e sombrios corredores e chega às salas baixas, levando de envolta as emanações das latrinas, quase sempre obstruídas, e aí se conserva represado em virtude das poucas e estreitas janelas que existem".

Os baixados do Hospital mereciam um especial cuidado do Imperador, que os visitava com freqüência. Uma apreciação a este respeito nos deixou o Dr. Coutto, autor já citado, quando diz:

"... com sua Augusta Presença, e com a solicitude, amor de seus súditos e fraternal bondade, que todos lhe reconhecem, preciosas pérolas que engrinaldam fronte tão nobre, percorria todas as enfermarias e dependências do Hospital, levando a consolação aos míseros feridos e outras praças enfermas, cobrindo muitas vezes com suas mãos régias os que tiritavam pelo rigor, prenúncio de violento acesso febril, passando a dextra, que impunha o cetro de um dos maiores impérios do mundo, sobre a face, gélida e banhada pelo suor da agonia do infeliz, que pela Pátria sacrificara a vida, e para que os soldados pudessem conhecer quanto ele amava, provava das dietas que eram distribuídas, recomendando sempre todos os cuidados devidos, a fim de que nada lhes faltasse".


É preciso salientar que a higiene pública deixava muito a desejar, apesar da atuação das autoridades sanitárias com suas Posturas, Regulamentos, Editais e Decretos. Esgotos, águas estagnadas, proliferação de focos de mosquitos, águas sem tratamento desempenharam papel decisivo na propagação das enfermidades e dos surtos epidêmicos. Ainda mais, a grande movimentação de tropas chegadas das distantes Províncias, durante o período da Guerra da Tríplice Aliança, veio agravar a situação, lotando os hospitais e cemitérios. Segundo os dados extraídos da obra do Barão do Lavradio, encontramos entre os sessenta e três surtos epidêmicos, compreendidos no período de 1851 a 1880, no território brasileiro, 299.838
( duzentos e noventa e nove mil oitocentos e trinta e oito ) óbitos. Outro dado assustador são os óbitos ocorridos no Rio de Janeiro, entre o período de 1859 a 1890, que assinalam, em primeiro lugar a tuberculose, com 57.694 (cinqüenta e sete mil seiscentos e noventa e quatro), seguido da febre amarela, com 34.308 ( trinta e quatro mil trezentos e oito). O grande número de enfermos chegados do Paraguai, no tempo da Guerra, já não cabia no velho casarão do Morro do Castelo. O governo determinou, diante desta emergência, que fosse instalada uma enfermaria militar no Andaraí, com duzentos leitos, à Rua Pinto de Figueiredo, no número 11. Inicialmente funcionou como Enfermaria Militar, passando depois a ser Hospital Militar, dependente do Hospital Militar da Guarnição da Corte. Lá, trabalharam ilustres médicos militares, que prestaram excelentes serviços à medicina brasileira.

Este Hospital dispunha de um Diretor - oficial combatente - seis médicos ( cinco cirurgiões e um clínico ) e dois farmacêuticos. Era um sobrado grande com dois pavimentos, dois barracões, uma casa e um pequeno quartel, situado no interior de uma chácara espaçosa e fechada de muros revestidos de cantaria e de cercas vivas. Os serviços médicos estavam concentrados no sobrado e distribuídos por seis enfermarias e "vinte e um compartimentos esclarecidos e ventilados por sessenta e oito janelas e trinta e dois ventiladores", segundo publica o Almanaque Laemert. Existiam também uma capela, sob a devoção de Nossa Senhora da Conceição, alojamento do médico-de-dia, botica, laboratório, casa mortuária, salas de banho quente e frio, e latrina com reguladores de água corrente. Havia água em todo o edifício, derivada dos encanamentos da Tijuca, como também gás de iluminação. A descrição nos parece bastante razoável para um hospital. Este aspecto chamou a atenção do Sr. Ministro da Guerra, que em visita às suas dependências, em 1881, chegou a elogiar a boa ordem e excelente asseio, como também pela dedicação e pelo zelo. Começou a funcionar em fevereiro de 1867, recebendo os enfermos do Depósito existente na Fortaleza de São João. Antes de sua extinção, já era um Hospital independente.

É bom lembrar que durante o período da Guerra da Tríplice Aliança a Direção do Hospital Militar da Guarnição da Corte enfrentava dois grandes problemas: a carência de médicos militares, em razão da arregimentação para o teatro de operações e a falta de leitos para atender ao grande número de feridos e doentes evacuados da frente de batalha. A Direção de Saúde determinou então a contratação de médicos civis, para atuarem no atendimento aos baixados, e efetuou a transferência de muitos deles para os hospitais civis da cidade. Assim, tivemos colaborando com a Direção de Saúde os Hospitais da Misericórdia, de Jurujuba, Casa de Saúde N. Sra. da Glória, Enfermaria da Ilha do Bom Jesus e a Enfermaria do antigo Laboratório do Castelo.


Apesar da influência técnica exercida pelos médicos nos hospitais, principalmente o Primeiro Médico, a parte administrativa era exercida por um oficial combatente, criando um clima polêmico entre as partes; herança oriunda da Guerra da Tríplice Aliança. O já citado Dr. Coutto, quando faz referência a este assunto, comenta:

"Opinamos na inconveniência de que a direção dos hospitais militares está cometida a oficiais do Exército. Um militar, por mais inteligente e zeloso, não está nos casos de poder avaliar a capacidade e mérito dos facultativos, não pode formar juízo algum sobre a terapêutica empregada, nem distinguir os que mais fracos apresentam de sua aplicação e estudo. Estranhos à ciência médica, não poderão jamais, por maiores desejos que nutram, dirigir a esses casos salutar impulso, marchar na senda dos melhoramentos e alterações que a prática for ensinando, nem representar seu brilhante papel condignamente".

Como registro histórico transcrevemos, da obra de Pedro Cúrio, os nomes dos Oficiais combatentes que exerceram a parte administrativa do Hospital Militar da Guarnição da Corte, entre 1844 e 1888, em ordem cronológica:

Coronel José dos Santos Oliveira
Coronel Antônio Joaquim de Souza
Coronel João José da Costa Pimentel
Coronel Coronel Feliciano José Neves Gonzaga
Brigadeiro Henrique Marques de Oliveira Lisboa
Coronel Ernesto Augusto Cezar Eduardo de Miranda
Coronel Antônio João Fernandes Pizarro Gabizo
Coronel Fogaça da Silva
Coronel Sebastião Francisco de Oliveira Chagas
Coronel Antônio Joaquim e Magalhães Castro
Coronel Elesbão Maria da Silva Bittencourt
Coronel Francisco José Cardoso Júnior
Coronel Manoel Francisco Coelho de Oliveira Soares
Coronel Joaquim Jerônimo Barrão

No que diz respeito ao término da direção leiga nos hospitais militares, o novo governo, atento às reivindicações do Ministro da Guerra, que se servira dos inúmeros relatórios sobre o assunto, resolvera a questão definitivamente. No caso do Hospital Central do Exército, ex-Hospital Militar da Guarnição da Corte, localizado no Morro do Castelo, fora nomeado, o Ten Cel Med. João Severiano da Fonseca. Dos vários relatórios e pareceres apresentados, ao longo dos anos, convém que citemos uma parte do questionário assinado pelo Conde d' EU, em 27 de setembro de 1872, enviado pelo Ministro de Estado dos Negócios da Guerra aos Generais que comandaram o Exército Imperial na Campanha do Paraguai. Foram seis quesitos sobre os problemas do Exército; na parte que diz respeito à direção dos hospitais, assim se expressa a autoridade em questão:

"... na parte propriamente regulamentar o que me parece sobretudo inconveniente em tempo de campanha foi a coexistência nos hospitais de um Diretor tirado dos Corpos combatentes do Exército com o Primeiro-Médico e o Primeiro-Cirurgião.
Da existência dessa dupla autoridade nascia quase sempre desarmonia, segundo declarou o Sr Barão da Vila da Barra, no seio da Comissão, resultando um estado de cousas prejudicial ao bem estar dos doentes e ao serviço em geral. Não sendo o médico o Diretor do Hospital, mas dependendo para as cousas da administração de um outro Diretor, faltava-lhe a autoridade necessária para mandar por em execução as medidas que lhe parecessem propícias à higiene e boa ordem do Hospital. Compreende-se, com efeito, quão necessário é que o médico reconhecendo as más condições do Hospital em relação à higiene dos doentes, possa por si mesmo remediá-lo dando as necessárias ordens para muitos serviços essenciais como a limpeza geral, a caiação ou pintura das paredes, o conserto dos telhados, do soalho, das janelas, e outros; que possa fazer os pedidos dos colchões e outras partes do material e distribuir este convenientemente pelas enfermarias.

Para pronto desempenho de todos esses serviços, e de outros igualmente importantes em relação ao tratamento das praças, não deve ficar o médico dependendo do concurso mais ou menos ativo de outra autoridade.
Deve poder ele mesmo dar as ordens ao pessoal propriamente administrativo do Hospital, e deve ser-lhe subordinado o encarregado do respectivo material como acontecia aliás nas ambulâncias que não são senão pequenos Hospitais Móveis.
Convém pois que sejam revogados os Art. 2 e 3 das disposições aprovados pelo Decreto no 2715, de 26 de dezembro de 1860, os quais estabelecem que nos hospitais haverá um Diretor de patente ou antigüidade sempre superior à de cirurgião militar mais graduado que estiver servindo no estabelecimento.
A Comissão de Exame da Legislação do Exército atendeu a essa necessidade no regulamento que organizou e foi remetido ao Ministério da Guerra, em 18 de agosto do corrente ano, estabelecendo-se no Art. 12 que o Diretor do Hospital poderá ser o Primeiro Médico ou o Primeiro Cirurgião do Hospital..."

O Questionário acima transcrito - em parte - veio juntar-se a outros respondidos pelos Generais Polidoro, Caxias e Osório, além dos relatórios e pareceres emitidos pelo Cirurgião-mor Honorário do Exército, Francisco Bonifácio de Abreu ( Barão da Vila da Barra ) e General Beaurepaire Rohan.

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